Na Coreia do Sul, o consumo de carne de cachorro ocorria em alguns contextos culturais e tradições, especialmente durante o festival de verão conhecido como Sambok (삼복) ou o Boknal (복날) – três dias mais quentes do ano de acordo com o calendário lunar, que geralmente acontece entre os meses julho e agosto.
Historicamente, o consumo de pratos como bosintang (보신탕 – sopa de carne de cachorro) era visto como uma maneira de fortalecer o corpo para suportar o calor. Essa tradição está em declínio, sendo cada vez mais substituída por pratos como samgyetang (sopa de frango com ginseng), que continua popular como alternativa nesses dias devido aos seus benefícios energéticos.
O bosintang era um dos pratos principais consumidos nesses dias, preparado com carne de cachorro cozida junto a ingredientes como alho, cebolinha, gengibre, e várias ervas medicinais, que dão ao prato um sabor complexo e aromático. Este tipo de sopa é conhecido por seu sabor um tanto forte e pela textura da carne, que se assemelha à de carne bovina, porém com um sabor característico.
Além do bosintang, outros pratos que historicamente incluíam carne de cachorro eram consumidos em algumas regiões da Coreia. Entre eles, estão o gaejang-guk, uma sopa temperada e picante de carne de cachorro, e o yeongyang-tang, que significa “sopa nutritiva”. Ambos são servidos quentes e preparados com ervas como a angélica, que também é usada na medicina tradicional coreana, e, em alguns casos, brotos de bambu, para incrementar a nutrição e sabor.
Esses pratos eram comumente oferecidos em reuniões familiares ou festividades locais e acreditava-se que sua ingestão proporcionava benefícios à saúde, especialmente durante os dias mais difíceis do verão.
Os ingredientes utilizados nesses pratos não eram apenas escolhidos pelo sabor, mas também pelas propriedades que, segundo a medicina tradicional coreana, ajudavam a “reforçar o yang” (energia vital).
As ervas e temperos eram essenciais, pois não apenas contribuíam para o sabor, mas também para o propósito medicinal da refeição. Por exemplo, o alho e o gengibre, que são ingredientes comuns no bosintang, eram usados para aquecer o corpo e aumentar a resistência física.
O conceito de “combater o calor com calor” ao ingerir alimentos quentes permanece, mas o consumo de carne de cachorro perdeu popularidade, especialmente entre as gerações mais jovens que preferem outros tipos de carne e são mais influenciadas pela conscientização sobre os direitos dos animais e pressões políticas externas.
Além de combater o calor, acreditando que se “combate fogo com fogo”, a sociedade também acreditava que a proteína tinha outros benefícios para a saúde, principalmente no desempenho sexual masculino.
A carne dos cães também era utilizada para produzir o kaesoju, uma bebida alcoólica que mistura a carne com o soju, destilado transparente feito de arroz, trigo ou cevada. Os sul-coreanos acreditavam que essa mistura ajudava a regular a temperatura do corpo, bem como aumentar o desejo sexual.
Estatísticas recentes indicam que, embora aproximadamente 388 mil cães ainda sejam consumidos anualmente, a maioria da população coreana é contra o consumo de carne de cachorro. Em 2024, o governo sul-coreano aprovou uma lei que proíbe o consumo e a criação de cães para alimentação, mas essa proibição só será plenamente aplicada em 2027, com um período de adaptação para os criadores.
A prática de consumir carne de cachorro envolve, em alguns casos, métodos de abate controversos que têm atraído críticas e campanhas de organizações de direitos dos animais.
Apesar de existirem algumas leis de proteção animal na Coreia do Sul, o abate de cães para consumo humano, até recentemente, operava em uma área jurídica cinzenta, pois cachorros não eram oficialmente classificados como gado. Essa área nebulosa da legislação contribuiu para que práticas como eletrocussão ou enforcamento, antes comuns, continuassem em algumas instalações de criação.