O consumo da carne de cachorro na Coreia do Sul é um tema de grandes discussões dentro e fora do país. Enraizado na história, esse assunto complexa aborda uma série de questões históricas, sociais, políticas e econômicas.
A prática começou como uma necessidade de sobrevivência e evoluiu para um símbolo de tradição durante alguns anos. No entanto, o momento atual faz com que esse consumo entre em declínio total.
Durante a Guerra da Coreia, que aconteceu entre os anos de 1950 e 1953, o país vivenciou um cenário de completa devastação e escassez de recursos. A insegurança alimentar fez com que muitos sul-coreanos buscassem alternativas de nutrição e a carne de cachorro se apresentou como uma fonte acessível de proteína em um ambiente de total pobreza.
Esse período ficou marcado pelo consumo da carne de cachorro como uma parte da cultura, principalmente em áreas urbanas e para a população mais pobre, que não tinha condições de arcar com carnes mais caras e importadas.
Nos anos seguintes, a tradição ganhou tração, com a criação de pratos como o bositang ganhando popularidade. Naquele momento, a carne de cachorro passou a ser consumida em festivais e celebrada em outras receitas que destacavam seu valor nutricional e as supostas propriedades medicinais, especialmente nos meses de verão.
Urbanização e Modernização
A rápida urbanização da Coreia do Sul nas décadas de 1970 e 1980 trouxe consigo mudanças significativas nas dinâmicas sociais e nas preferências alimentares. À medida que o país se modernizava e se integrava à economia global, a imagem do cachorro começou a mudar.
Os animais de estimação, especialmente cães, ganharam um novo status social e passaram a ser considerados membros da família.

Essa mudança nas percepções emocionais sobre os cães influenciou diretamente a forma como a sociedade via o consumo de sua carne.
Além disso, a crescente conscientização sobre direitos dos animais, impulsionada por movimentos locais e internacionais, começou a desafiar a aceitação da carne de cachorro como parte da dieta sul-coreana.
O ativismo em defesa dos direitos dos animais se intensificou, especialmente nas últimas duas décadas, refletindo uma mudança geracional. Os jovens, em particular, passaram a se opor mais ativamente à prática, influenciados por ideais de compaixão e respeito à vida animal.
Influência política e pressões econômicas
No cenário político, o consumo de carne de cachorro se tornou um tema de debate relevante. Com a pressão internacional sobre direitos dos animais e a imagem da Coreia do Sul no exterior, especialmente após os Jogos Olímpicos de Inverno de 2018, os políticos foram pressionados a reconsiderar a legalidade e a aceitação social dessa prática.

Financeiramente, a indústria da carne de cachorro tem enfrentado desafios. Com a diminuição da demanda, muitos criadores e comerciantes dessa carne enfrentam dificuldades.
O aumento das preocupações de saúde pública e a pressão de organizações internacionais para acabar com essa prática têm levado a uma diminuição no número de matadouros e no comércio relacionado.
Além disso, alternativas à carne de cachorro estão se tornando mais populares. Com o crescimento da demanda por proteínas alternativas e alimentos sustentáveis, muitos sul-coreanos estão optando por dietas mais diversificadas, o que pressiona ainda mais o setor tradicional da carne de cachorro.
Atualmente, as opiniões sobre o consumo de carne de cachorro estão divididas. Enquanto a parte mais antiga da população ainda defende a prática como uma parte integral da cultura, a população mais jovem a vê como arcaico e desumana.
Segundo a pesquisa feita pela Gallup Korea, 64% dos pesquisados não fazem o consumo de carne de cachorro e também não apoiam a prática. Essa transformação reflete uma sociedade em evolução, onde valores de bem-estar animal e sustentabilidade estão se tornando cada vez mais relevantes.
A discussão sobre a proibição do consumo de carne de cachorro ganhou força no parlamento, com propostas de lei sendo apresentadas para formalizar essa mudança. No entanto, as profundas raízes culturais da prática tornam essa transição complexa e sensível.
Questões financeiras
Em 2008, Rakhyun E. Kim revelou no artigo Dog Meat in Korea: A Socio-Legal Challenge, que a carne de cachorro era a quarta mais consumida no país, ficando atrás dos porcos, bifes e frango. Na época, os sul-coreanos consumiam cerca de 100 mil toneladas da proteína.
No livro Dogs and Cats in South Korea, do autor Julien Dugnoille, fica evidenciado que a proteína proveniente dos cães já foi uma das opções mais baratas, no entanto, com a diminuição de sua produção, ela se tornou mais cara e, naturalmente, está saindo do dia a dia comum.
Os restaurantes que vendem pratos com essa carne podem chegar a pagar até 180 dólares em cada animal e cachorros muito pequenos rendem apenas um ou dois pratos.

O mercado Moran Market era, tradicionalmente, o maior local onde sul-coreanos podiam comprar carne de cachorro, mas foi fechado oficialmente em 2018 após pressão política externa. O jornal britânico The Korea Herald chegou a revelar que o estabelecimento vendia mais de 80 mil cães por ano, vivos ou mortos.
O país, assim como muitos da Ásia, também faz o consumo de carne proveniente dos mares. Isso se deu por conta da evolução da pesca, por parte das pessoas que moravam na costa do território. Porém, com a expansão da globalização e o estreitamento das relações entre os países, a Coreia começou a ser grande importadora de carne de frango e carne vermelha.
De maneira comparativa, em 2024, o quilo do frango custa pouco mais de 7 mil wons, moeda sul-coreana, o equivalente a 5,41 dólares, em torno de 30 reais. Enquanto o quilo da carne bovina é comercializado por quase 80 mil wons, o equivalente a 60,65 dólares, pouco mais de 321 reais.